quarta-feira, 21 de abril de 2010

A apropriação do espaço: Ruínas da periferia



A Vila Primavera fica em Ibirité-MG, e integra um conglomerado de vilas, favelas e bairros da periferia da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). A partir da iniciativa de jovens desse conglomerado, surgiu a Aliança Mineira de Hip Hop, com o fim de desenvolver atividades de cunho artístico na comunidade. Com o desenrolar dos encontros da Aliança, o espaço territorial ganha outra nomenclatura: Ruína. Devido a vários fatores, como o término de alguns grupos, a falta de infra-estrutura, a Aliança Mineira de Hip Hop deixou de existir. Hoje, alguns jovens oriundos da Aliança Mineira, detentores do termo Ruína, voltam a se encontrar e a propor novas atividades artísticas para as ruínas.

Domingo, 15h, abro o portão do meu barraco e deparo com dois sujeitos subindo o morro. Meio apressados, me perguntam se tenho dois pedaços de madeira para ajudá-los. O palco não estava pronto ainda e as apresentações iriam começar na escola da Ruína II. Ano de 2010. Mês de fevereiro. As Ruínas voltavam a ecoar no silêncio da região, depois de anos de luto.

Mudei para a Vila Primavera, em Ibirité, Região Metropolitana de Belo Horizonte (BH), ou RMBH como é mais conhecida, MG, no ano de 2003. À época, a vila ainda não era reconhecida como Ruína II. A comunidade também era conhecida como Vila Bananal, mas todos, até hoje, preferem chamá-la de Morada da Serra. Nesse período, ainda não havia o elemento territorial “Ruína”. A nomeação espacial sempre foi meio confusa, característica da aglomeração do lugar. Por exemplo, o Barreirinho (bairro mais antigo da região, segundo Raimundo Gomes, presidente da Associação do Bairro Morada da Serra) e o Morada do Sol, bairros de três ou quatro ruas, são bairros independentes, mas os moradores sempre falam que moram no Morada da Serra. Nessa época somente a linha de ônibus 1144 (Morada da Serra – Centro-BH) atendia toda a região. Por isso, talvez, as pessoas chamem os bairros e vilas adjacentes pelo nome do bairro.

A Região do Morada da Serra ou dos Sete, como chamou Raimundo, é composta pelos bairros: Águia Dourada, Barreirinho, Morada da Serra, Morada do Sol, Nossa Senhora de Lourdes, Vila Primavera e Vista Alegre. Desses, três fazem parte da divisão geográfica criada pela comunidade Hip Hop, moradora, denominada Ruínas (Morada da Serra, Vila Primavera, Águia Dourada). As comunidades possuem uma ligação intrínseca, não só por estarem lado a lado no cotidiano, mas por abrigarem o nascimento de uma ação protagonizada pela juventude dessas regiões, a extinta Aliança Mineira de Hip Hop. No total são seis Ruínas, três em Ibirité, e três em Belo Horizonte. Lugares esquecidos até pelas campanhas políticas eleitoreiras, por ficarem em Ibirité e, no caso dos espaços belo-horizontinos, distantes do centro da capital mineira.

Ibirité é um município com poucos atrativos financeiros, também apelidado de cidade dormitório, algo comum às maiorias das cidades da RMBH. O B. Morada da Serra, o B. Vista Alegre e a Vila Primavera fazem divisa com Belo Horizonte e ficam em frente à Serra que inspirou Mário de Andrade, Serra do Rola-Moça, que teve sua história imortalizada nos versos do poeta modernista. Local propício para ser chamado de Ruínas, segundo o idealizador do nome, Black Factor, rapper, integrante do grupo Are-zona, “A maioria das casas na época não tinha nem reboco, eram verdadeiras ruínas”.

Black Factor, conta que começou a escutar RAP por influência do amigo e rapper Doró, e na escola, “A primeira vez que escutei rap tinha 13 anos e montei uma dupla com o Doró. Depois conhecemos o rapper Cax. Com a saída do Doró e a parceria com o rapper Russo, montamos nosso primeiro grupo. O Sistema do RAP, inspirado no grupo Sistema de Rua, de Betim”. Depois do rompimento com Russo, Black Factor e Cax montaram o Are-zona (Área Zona Oeste Negros Ativistas). Inicialmente seria o nome destinado ao espaço, território, quebrada, ao qual pertenciam, junto com os outros componentes do grupo. Acabou se tornando o nome do grupo. A proposta foi dada com o intuito de fortalecer a ideia de envolvimento deles com as causas da região, “Falei com Cax que não topou na hora, mas depois agarrou a ideia”, diz Black Factor. Conta ainda, que o primeiro show foi a convite de Russo, e ainda não tinham muitos conhecimentos sobre como fazer as batidas. Daí, Russo indicou-lhes um parceiro que tinha muitas bases gringas.

Flávio Paiva, 32 anos, o Russo, é educador social e rapper, líder do grupo A.P.R. (Artilharia Pesada da Rima). Também é estudante de pedagogia. Iniciou-se no RAP em 1993 e começou a cantar em 1999, com influência de atividades políticas, já desenvolvidas pelo pai, um líder comunitário. Russo conta que, entre os grupos, os quais vinham se formando na região, entre os anos de 2003 e 2004, surgiu a ideia de criar uma “Posse”. A partir de estudos sobre esse tema, a comunidade Hip Hop formou a Aliança Mineira de Hip Hop. À época, no Morada da Serra, existia um espaço destinado ao Projeto do Governo do Estado, Projeto Curumim, que passou a ser usado para as primeiras atividades da Aliança Mineira. O espaço foi desabilitado para a implementação de um posto de saúde, sem consulta ou participação dos moradores, como disse Russo, “O Curumim foi fechado na tora. De um dia para o outro, chegou o trator e passou por cima de tudo”.

Com a iniciativa na região do Morada da Serra, os grupos de outras localidades começaram a participar dos encontros no Curumim. Russo fala que “com o decorrer do tempo, começaram a vir grupos de outras quebradas, Vila Santa Rita, Mineirão”. Os grupos do Bairro Independência já participavam das reuniões, pois alguns componentes deles estudavam na mesma escola. No início, a movimentação no Curumim reunia cerca de 70 pessoas, além de ter dado abertura para os grupos em outras localidades, como shows em outras periferias da RMBH.
Com os encontros da Aliança Mineira de Hip Hop, aparece o nome “Ruína”, é quando Black Factor surgiu com nomenclatura, segundo Russo. “Todo mundo ficava falando, é a favela, nos moramos na favela, foi quando o Black Factor, viajando, falou ‘Ruína I’, nós moramos na Ruína I. E os grupos abraçaram a causa”. Desde então os grupos adotam o pseudônimo nas letras.

As Ruínas se constituíram em seis, Ruína I (Morada da Serra), Ruína II (Vila Primavera), Ruína III (Águia Dourada), Ruína IV (Mineirão- BH), Ruína V (Independência - BH), Ruína VI (Vila Santa Rita - BH). Black Factor diz que seu sonho é que exista apenas uma Ruína, “O nome surge também como um código, para não se dizer os nomes das quebradas, por que na época existia muita treta entre as favelas” e que “quando acabar todas as guerras, a ideia é que seja só uma ruína, a Ruína VII”. Black Factor, conta que tinha certo apreço pela distinção dos espaços, ou das quebradas, mas com algo que os ligava pelo nome, como nos disse, “Viajava no Gog, em Brasília, setor O, setor aquilo”. Conta que uma vez, no campo de futebol do Morada da Serra, olhando para quebrada, viu sua semelhança com ruínas e comentou com os amigos e os “cidadãos da rua”, logo adotaram o termo. Paulo Cabeça, 23 anos, rapper, integrante do Grupo Na Contenção, conta que a divisão em Ruínas foi baseada também na contingência municipal de Ibirité para Belo Horizonte. Com o tempo, a Aliança Mineira acaba se desgastando, além de alguns grupos terem terminado, outros mudaram a formação e até o nome (caso do grupo Origem Gueto, Ruína VI), como ressalta Russo, “os grupos começaram a trilhar outros caminhos”.

Para Paulo Cabeça, a Aliança Mineira era um ponto de encontro para as articulações de amizades e teve um papel determinante na sua vontade de cantar Rap. Ele fala, ainda, que na região havia, e ainda há, poucos espaços de lazer, sendo somente as quadras das escolas e o campo de futebol, além de poucos bares. Há ainda o espaço da Associação do Bairro Morada da Serra, que é aberto para o uso da comunidade e que agora está aparecendo algumas atividades, como aula de capoeira e dança de forró, ministrada pelos jovens das Ruínas. Paulo, junto com outros jovens das Ruínas, começa a organizar, novamente, ensaios abertos, com o propósito de movimentar culturalmente as comunidades no entorno. Essa nova iniciativa ganha o nome de NCS (Núcleo Cultural Suburbano). Segundo Paulo, “A intenção é que o espaço agregue outros movimentos culturais, como rock, até porque, todos sofrem com a falta de espaço”.

Contatos:
Are-zona / Black Factor: (31) 9826-2404; http://www.myspace.com/arezona
APR / Russo – (31) 8855 8395; http://www.myspace.com/russoapr
Na Contenção / Paulo Cabeça / - (31) 9752 1422
Associação de Moradores do Morada da Serra / Raimundo – (31) 8848-8948 / 9752-2447
por Cristiano Silva Rato
Vila Primavera (Ruína II) | MG


Fonte: http://www.vivafavela.com.br/materias/apropria%C3%A7%C3%A3o-do-espa%C3%A7o-ru%C3%ADnas-da-periferia-0

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